O papel do ISLA na preservação dos idiomas nativos da Amazônia

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Que a Amazônia é um lugar rico em biodiversidade não é novidade, mas você sabia que a região também abriga uma impressionante diversidade linguística, composta por várias famílias de línguas e até línguas isoladas? Isso faz com que a Amazônia seja rica não apenas em valor biológico, mas também em valor linguístico. Esse valor linguístico está intimamente ligado a outros fatores, como a cultura, por exemplo.

A língua é um recurso humano fundamental para a comunicação. Cada língua tem sua própria maneira de expressar aspectos da vida humana, influenciada pelo meio ambiente e pelas relações sociais dos falantes. Cada língua apresenta traços únicos, moldados por diversos fatores, como estratos sociais, o espaço geográfico que os falantes ocupam, o gênero, a idade, entre outros.

O Painel Científico para a Amazônia (SPA) estima que 75% das línguas da região amazônica já foram perdidas. No passado, estima-se que a Amazônia chegou a abrigar cerca de 1.000 línguas, mas, com a chegada dos europeus, esse número foi drasticamente reduzido. Hoje, restam cerca de 300 línguas vivas, segundo o SPA.

Há vários fatores que levam ao desaparecimento de uma língua, especialmente no contexto amazônico. Doenças exógenas, violência colonial, escravidão e desapropriações reduziram drasticamente as populações nativas, e, com isso, muitas línguas foram extintas. Além disso, fatores socioeconômicos também contribuem. Jovens falantes dessas línguas, por exemplo, muitas vezes deixam seus territórios tradicionais em busca de oportunidades em regiões onde a língua predominante é o português, o que enfraquece o uso das línguas nativas e, nessas regiões, o uso de línguas nativas é frequentemente estigmatizado. O envelhecimento da população falante e a falta de transmissão intergeracional também desempenham um papel crucial nesse processo.

Por mais que o cenário não seja um dos melhores, nos últimos anos vêm ocorrendo uma movimentação de diferentes entidades e indivíduos com o objetivo de preservar aspectos das línguas nativas da Amazônia. Algumas publicações têm sido feitas, como dicionários, contos, livros didáticos e até produções cinematográficas. Por exemplo, no cinema, temos o filme A Febre, dirigido por Maya Da-Rin, onde há o uso significativo das línguas Tukano e Tikuna na tela. Aos poucos, passado e futuro parecem coexistir de maneira interessante, e as redes sociais acabam sendo outro ponto de difusão linguística. A internet se apresenta como uma ferramenta importante tanto para a difusão quanto para a conservação dessas línguas.

Projetos como o Summer Institute of Linguistics (SIL), com sede em Dallas, possuem registros que datam desde os anos 70 sobre diferentes línguas nativas do território brasileiro. Todo esse material faz parte do Ethnologue, uma iniciativa do SIL que publica anualmente informações sobre as línguas do mundo. Diversos materiais estão disponíveis, catalogados e acessíveis para pesquisadores, estudantes e entusiastas da área de linguística. Hoje, a tecnologia se mostrou uma importante ferramenta para a conservação linguística; o próprio Ethnologue é um exemplo do uso da tecnologia como uma ferramenta que auxilia no desenvolvimento de soluções na área da linguística.

É nesse contexto de internet, tecnologia e preservação linguística que surge o ISLA, o Instituto de Sustentabilidade Linguística da Amazônia, com a missão de preservar e revitalizar as línguas nativas da região amazônica. Nosso principal objetivo é alinhar esses esforços com o uso de tecnologias como inteligência artificial e processamento de texto. Buscamos criar um ecossistema de ferramentas tecnológicas que possam auxiliar tanto na preservação quanto na revitalização dessas línguas. Nossa equipe conta com o suporte de profissionais de tecnologia, linguistas e tradutores, trabalhando juntos para atingir esse objetivo.

Acreditamos que toda iniciativa é bem-vinda, mas apenas nós, como habitantes da Amazônia, conhecemos de perto as dificuldades e desafios que a região impõe. Tornar uma iniciativa como essa viável não é apenas um ato de conservação cultural e linguística, mas também um ato de resistência em uma região que sofre cada vez mais com a exploração desenfreada e o descaso socioambiental. Preservar as línguas nativas da Amazônia é preservar a identidade e a cultura dos povos que habitam a região amazônica, cuja riqueza vai muito além dos recursos naturais.

Nesse sentido, é uma luta pela sobrevivência cultural em um ambiente onde as ameaças à biodiversidade e à diversidade linguística estão interligadas. Conservar essas línguas é resistir ao apagamento de uma herança imaterial, e a tecnologia é uma ferramenta essencial para garantir que essas vozes não se percam no tempo. Esse é o nosso papel.

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